Rafael Siejakowski
Programa de Verão 2022
ICMC, USP São Carlos
5–14 de janeiro de 2022
Na aula anterior…
…falamos sobre:
Colagens topológicas e geométricas;
Superfícies hiperbólicas – localmente modeladas por $\HH^2$;
Calças e hexágonos hiperbólicos com ângulos retos;
As estruturas hiperbólicas nas superfícies;
O espaço de Teichmüller e as coordenadas de Fenchel–Nielsen.
https://rs-math.net/verao2022
Espaço hiperbólico tridimensional
O 3-espaço hiperbólico $\HH^3$ pode ser construído como o semiespaço superior,
\[
\HH^3 = \{(x,y,t)\in\RR^3 : t > 0\},\quad
\langle\mathbf{v}, \mathbf{w}\rangle^{\HH^3}_{(x,\,y,\,t)}
= \frac{\langle\mathbf{v}, \mathbf{w}\rangle}{t^2}.
\]
Em particular, cada semiplano vertical da forma
\[
\{(x,y,t)\in\RR^3 : t > 0\ \text{e}\ Ax+By=C\}
\]
é isométrico ao plano hiperbólico $\HH^2$.
Dicionário hiperbólico
Noção
Interpretação no modelo de semiespaço superior $\HH^3$
semicírculo perpendicular ao plano $t=0$
ou uma semirreta vertical $(x,y)=\mathrm{const}$.
plano
hemiesfério centrado no plano $t=0$ ou um semiplano vertical $Ax+By=C$.
Semiespaço superior
O modelo $\HH^3$ é conforme: os ângulos euclidianos e hiperbólicos são iguais.
Bola de Poincaré
A bola de Poincaré é um modelo alternativo de geometria hiperbólica tridimensional, análogo
ao disco de Poincaré.
Como conjunto, $\DD^3 = \{\mathbf{x}\in\RR^3 : \|\mathbf{x}\| \lt 1\}$.
Métrica hiperbólica na bola de Poincaré:
\[
\langle\,\cdot\,,\,\cdot\,\rangle^{\DD^3}_{\mathbf{x}} =
\frac{4\langle\,\cdot\,,\,\cdot\,\rangle}{\bigl(1-\|\mathbf{x}\|^2\bigr)^2},
\]
Retas hiperbólicas correspondem a arcos de círculos
perpendiculares à esfera unitária e diâmetros da bola.
Planos hiperbólicos são calotas de esferas
perpendiculares à esfera unitária e discos centrados na origem.
Tetraedros ideais
Analogamente aos triângulos ideais em $\HH^2$, podemos considerar tetraedros ideais em $\HH^3$.
Um tetraedro ideal é uma região em $\HH^3$ limitada por quatro triângulos ideais.
Tetraedros ideais
Imagem de um tetraedro ideal na bola de Poincaré
⏯
Propriedades de $\HH^3$
O espaço $\HH^3$ contém muitas cópias isométricas de $\HH^2$ como “planos hiperbólicos”.
Por isso, todas as propriedades de $\HH^2$ valem nos planos em $\HH^3$.
$\HH^3$ é homogêneo e isotrópico: a geometria local é a mesma em todos os pontos e em todas as direções.
O grupo de isometrias que preservam a orientação de $\HH^3$ é isomorfo ao grupo de transformações de Möbius complexas:
\[
\mathrm{Isom}^+(\HH^3) \cong \text{Möb}(\CC) = \left\{ z\mapsto\frac{az+b}{cz+d} : a,b,c,d\in\CC, ad-bc=1 \right\}.
\]
É possível definir espaços hiperbólicos $\HH^n$ de qualquer dimensão $n$.
3-variedades hiperbólicas
Na aula anterior, falamos sobre superfícies hiperbólicas: espaços bidimensionais
com geometria localmente modelada pelo plano hiperbólico $\HH^2$.
Vamos agora repetir alguns aspectos desta construção em dimensão três.
Definição
Uma 3-variedade é um espaço topológico $X$ no qual cada ponto $p\in X$
tem uma vizinhança aberta $U\subset X$ homeomorfa a um subconjunto aberto de $\RR^3$.
3-variedades são espaços “tridimensionais” – ao redor de cada ponto, podemos introduzir
um sistema local de coordenadas usando três coordenadas reais.
Construções de 3-variedades
Uma das 3-variedades mais simples é a 3-esfera $S^3$ definida como
\[
S^3 = \{(x_1, x_2, x_3, x_4)\in\RR^4 : x_1^2 + x_2^2 + x_3^2 + x_4^2 = 1\}.
\]
Muitos mais exemplos de 3-variedades podem ser obtidos por colagem de poliedros.
O poliedro mais básico é um tetraedro: cada outro poliedro pode ser decomposto em uma união
de tetraedros.
Portanto, basta considerar colagens de (vários) tetraedros – triangulações tridimensionais.
Complementos de nós
Um nó é uma curva fechada suavemente mergulhada em $\RR^3$ ou $S^3$, sem auto-interseções.
Para um nó $N\subset S^3$, o complemento de $N$ é a 3-variedade definida simplesmente
como $S^3\setminus N$.
Os complementos de nós formam uma classe infinita de 3-variedades.
As propriedades topológicas de $S^3\setminus N$ contém muita (mas às vezes não toda)
informação sobre o nó $N$.
Propriedades geométricas?
O nó figura oito
Vamos agora analisar o complemento do nó figura oito.
A ideia geral é juntar dois poliedros: um “em cima” e um “em baixo”.
Depois, vamos eliminar o nó “o empurrando para o infinito”.
$S^3\setminus N$ como colagem de poliedros
Os dois poliedros são colados ao longo da esfera que contém a maioria do diagrama do nó, exceto os cruzamentos.
Faces dos dois poliedros
Questão
Como as faces se juntam perto dos cruzamentos?
Modelo de cruzamento
A linha azul representa um pedaço do nó que passa
em cima do pedaço vermelho.
A seta vertical verde junta as duas porções
do nó que formam o cruzamento.
Excluindo os fins, ela é um subconjunto de $S^3\setminus N$.
Estrutura local combinatória
Esticando e achatando o modelo de papel, podemos observar como as regiões
complementares do diagrama se juntam ao redor do cruzamento.
A seta vertical verde separa-se em quatro
setas que devem ser coladas (identificadas) para que o cruzamento seja re-estabelecido.
Achatando o nó figura oito
N.B.: A região “externa” $A$ é também um polígono, porque a imagem à direita
mostra um pedaço da esfera.
Eliminação dos bígonos
Contraindo o nó, podemos remover os bígonos $E$, $F$, notando que isso reduz as
setas a dois tipos.
Contração do nó a um único ponto
Após contração de todos os arcos pretos, as faces dos dois sólidos tornam-se
em quatro triângulos ideais $A, B, C, D$.
Os sólidos são tetraedros ideais!
Complemento do nó figura oito
A nossa análise diagramática mostra que o complemento do nó figura oito
é o resultado de colagem de dois tetraedros ideais ao longo das suas faces.
Ao redor de cada aresta, juntam-se seis arestas dos tetraedros ideais.
Hiperbolização do complemento do nó figura oito
Todos os triângulos ideais são congruentes, então sempre é possível colar tetraedos ideais
ao longo das faces.
No espaço hiperbólico $\HH^3$, podemos encontrar um tetraedro ideal
no qual todos os ângulos diedrais são iguais a $\frac{\pi}{3} = 60^{\circ}$.
Colando dois tais tetraedros conforme o padrão apresentado,
obtemos geometria hiperbólica no complemento do nó figura oito.
Nós hiperbólicos
W. Thurston (1946–2012)
Muitos outros nós têm complementos com geometria hiperbólica.
O estudo de geometrias hiperbólicas em 3-variedades começou
a serio com o trabalho de W. Thurston.
Exemplo: o nó $9_{23}$ do ICMC
Colando as faces de cores correspondentes
no poliedro ideal hiperbólico à direita,
obtemos uma estrutura hiperbólica no complemento do nó $9_{23}$.